O sentido da filosofia

Quando falamos com as pessoas sobre filosofia, a primeira coisa em que se pensa é um amontoado de conhecimentos históricos e teóricos sem nenhuma aplicação prática.

Nada mais falso.

Eu vejo duas acepções para a palavra “filosofia”. E nenhuma delas é simplesmente teórica, nenhuma significa o acúmulo de erudição.

A primeira acepção é o conjunto de disciplinas que compõem a filosofia propriamente dita:

  • Lógica: indispensável por vários motivos. É a base da linguagem binária, que sustenta toda a informática. É também o estudo dos argumentos corretos e incorretos – o que permite formular e compreender a fundo a argumentação e, talvez mais importante, ser capaz de identificar sofismas naquilo que políticos, jornalistas, professores, etc. falam e escrevem. Ou, talvez, ser capaz de construir os sofismas que enganarão aos outros.
  • Ética: inconcebível não ter noções de ética, seja qual for o seu trabalho. Por exemplo: todas as profissões têm um código ético, cuja compreensão, nos limites da ação, não é simples – pois todos os códigos foram escritos fundamentados em alguns princípios éticos que não são evidentes à primeira vista. Em qualquer profissão, para agir eticamente, não basta sempre “seguir o bom-senso” ou “seguir o coração”.
  • Estética: você sabe o motivo pelo qual prefere um estilo de música a outro, ou por que gosta mais de algum modelo de automóvel, ou por que aprecia mais alguns tipos de arte do que outros? Aliás, você sabe o que é gostar de alguma coisa, você sabe o que é que você faz quando está apreciando música ou pintura? Você sabe o que é arte?
  • Epistemologia: todo mundo que trabalha com técnica ou ciência precisa ter noções sólidas de epistemologia. A epistemologia é uma espécie de meta-ciência: é o ramo da filosofia que contribui com os cientistas auxiliando na demarcação das fronteiras da ciência, definindo métodos válidos, avaliando a consistência de programas de pesquisa. É a epistemologia que realiza o trabalho de “psicanalista” da ciência, eliminando o que não faz sentido, o que atrapalha, e aprovando os bons métodos de investigação.
  • Metafísica: você já pensou que há dez anos todas as células do seu corpo eram diferentes, que não sobrou umazinha para contar a história? Então, o que é a identidade que nós temos? Será que é o conjunto das memórias, será que é a historicidade de nossa vida que garante que somos quem sempre fomos? Outro problema: o que havia antes do big-bang? Será que as leis da física também mudam? E, se mudam, será que se pode perceber, ou não perceberíamos por estarmos sempre sob seu referencial? Estes são três problemas metafísicos.
  • Filosofia da mente: toda a discussão mais avançada da tecnologia, que é a discussão sobre a inteligência artificial, depende da filosofia da mente.
  • Bioética: se você não se preocupa com problemas como aborto, eutanásia, eugenia, clonagem humana, pena de morte, etc., então você não precisa se preocupar com bioética. Mas se esses problemas são importantes para você, a bioética é a única disciplina que pode lhe oferecer alguma luz.

Bem, a primeira acepção de filosofia é, para mim, o conjunto de disciplinas filosóficas do qual dei alguns exemplos.

A segunda acepção, contudo, é bem diferente. A filosofia não seria simplesmente um conjunto de disciplinas, mas seria uma forma de viver.

Filosofia é, segundo esta acepção, uma prática de vida na qual o discurso teórico participa apenas posteriormente, revelando e justificando a escolha do filósofo e de seu grupo de amigos. A filosofia tem um sentido e uma função existencial e – por que não? – mesmo espiritual.

Como, portanto, considerar a filosofia uma atividade meramente teórica?

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13 comentários sobre “O sentido da filosofia

  1. Há dias que venho acompanhando e, inclusive, indicando seu blog a outros admiradores e professores de Filosofia. Sou admirador de seu blog, do seu trabalho, dos seus textos. Não sou filósofo formado, sou amador, e, no colégio público onde leciono História também fiquei com Filosofia por falta de um profissional da área. Estou tentando fazer um bom trabalho e o seu blog tem me ajudado. Sensacional o seu blog.
    Gilberd Soares

  2. Gilberd, obrigado pelas palavras gentis! Considero muito importante que os professores entremos em contato. Já pensou em fazer um blog também para que alunos e colegas professores possam conhecer seu trabalho e, quem sabe, utilizar algo que tenha dado certo com você? Se decidir blogar, avisa! Um abraço!

  3. Parabéns pelo blog. Sou professor e gostei muito do conteúdo, inclusive vou recomendá-lo aos meus alunos e amigos.

  4. O sentido da filosofia consiste em o sujeito pensar com sentido
    áquilo que aparentemente, ou se pensa que está bem estabelecidso, ou que não tem nenhum sentido claro. Na melhor das hipóteses, pensar bem as coisas ou feições do universo.
    Se por filosofia se entende amar o mundo dos questionamentos, sem respostas determinadas, mas gerando outras questões, deixando os ouvintes cheios de dúvidas, quem filosofa assim, pode amar de fato o saber, porém, enquanto for
    filósofo, certamente êle não saberá de nada.
    Mas por mais que o filósofo queira proteger as suas características, o mesmo terá que saber das ciências do mundo
    uma vez que não se concebe, quem quer que seja, que não detenha consigo um quantum de sabedoria. E se o filósofo for sábio, perderá o título de filósofo. É meio paradoxal. A finalidade ou o objetivo da filosofia, portanto, é tornar àquele que se aventura
    em busca do saber, a se tornar paradoxal, perdendo assim, a sua
    amada.

  5. …Por outro lado, quem não conhece o método filosófico, não
    detem consigo um senso crítico dos melhores. Digo dos melho-
    res, devido existirem outros métodos de saberes vários. Mas a fi
    -losofia é muito eficiente em sua crítica, porque parte das fases
    do pensamento na história, localizando, se fôr o caso, a sua crí
    -tica diacronicamente. Onde perceber a orígem desta crítica?
    Qual filósofo ou pensador, sugeriu isto e em que condições históricas? Assim, se saberá o que se critica hoje. A filosofia pois,
    tem um método e uma responsabilidade históricas. É uma forma
    de pensar muito responsável e que só merece elogios, quando se
    pensa, náo só de uma maneira válida, como também de uma for-
    ma verdadeira, isto é, congruentemente.
    De uma maneira válida, quando se obedece as leis da lógica;
    de uma forma verdadeira, quando o pensamento está de acordo
    com uma determinada realidade, seja esta concreta, ou subjetiva.
    Neste momento, se a verdade gosar de uma regularidade e fixidez
    ônticas, a filosofia se transforma em ciência, não mais do pensamento, porém das coisas ou feições do mundo.

  6. Fico feliz, em saber que ainda existe filosofos capazes de darem solução as minhas questões…

  7. Eu não sou professora é muito menos especialista. mais, gosto muito do belo conceito da filosofia! Gosta que reverti sobre as questões mundiais é os sentimentos do ser humano…adorei o seu Blog!

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