A consciência também é função da mobilidade e, por conseguinte, do número de pontos de vista. Porque o conhecimento objetivo se multiplica é que chegamos a nos desapegar da sensação. A construção de Condillac serve como demonstração disso. Para saber como sair da sensação, é preciso haver ao menos uma dualidade na sensação. De tanto passar de uma sensação para outra, percebemos que a evasão é possível; conseguimos sonhar quando podemos seguir o jogo das cores na superfície das coisas. Essa mobilidade leva ao desapego, e nessa via acabamos por encontrar a nós mesmos. Em resumo, para constituir o eu, como para constituir o objeto, é preciso uma pluralidade epistemológica. Mas por que consideramos como definitivamente estranhas as multiplicidades da sensação e as da reflexão? O objeto multiforme e móvel já nos aparece como ocasião suficiente da vida múltipla e movente do pensamento. Quem quer conhecer dispõe-se a agir, a modificar o objeto, a modificar o sujeito. O conhecimento é uma das formas da mudança, é a união do outro no interior do mesmo.
(BACHELARD. Ensaio sobre o conhecimento aproximado, p. 260)