A importância das Meditações de Descartes

As Meditações sobre a Filosofia Primeira compõem a tentativa de Descartes de alcançar o conjunto de princípios fundamentais que se pode conhecer como verdadeiros sem qualquer possibilidade de dúvida.

A Filosofia Primeira a que se refere Descartes é a Metafísica, compreendida como o estudo dos princípios do conhecimento – entre os quais estão as explicações sobre Deus e a alma e todas as noções claras e simples que estão em nós. Descartes propõe, nos Princípios da Filosofia, uma analogia da filosofia com uma árvore, na qual a Filosofia Primeira, ou Metafísica, seria equivalente às raízes; a Física, que examina a composição do universo, seria o tronco; e as outras ciências seriam os ramos da árvore.

As noções (ou idéias) claras, distintas e simples que são o objeto da metafísica são aquelas sobre as quais: por serem claras, se impõem em sua verdade imediatas, sendo indubitáveis; por serem distintas, não podem ser confundidas com nenhuma outra; e, por serem simples, não podem ser divididas em idéias ainda mais simples, sendo elas o resultado final da análise e o ponto de partida da construção das idéias complexas.

Para alcançar o conjunto de princípios fundamentais que constituirão a base de todo o conhecimento verdadeiro, Descartes busca um ponto de partida indubitável.

O método que utiliza para encontrar esse ponto de partida é a dúvida hiperbólica. A dúvida hiperbólica não é uma dúvida ceticista, porque o objetivo da dúvida hiperbólica não é duvidar, como os céticos fazem, da possibilidade de o conhecimento humano atingir a verdade. A dúvida hiperbólica é, pelo contrário, um método racional de investigação – é voluntária, sistemática e provisória. O objetivo da dúvida cartesiana é colocar o conhecimento sobre um fundamento seguro. Para esse fim, devemos suspender o juízo sobre qualquer proposição cuja verdade possa ser questionada, ainda que remotamente. Os critérios para o que pode ser aceito tornam-se cada vez mais restritivos, à medida em que somos convidados a duvidar do que nos é dado pela memória, pelos sentidos e até pela razão, porque isso tudo pode nos enganar.

Esse processo acaba sendo dramatizado pela figura do Deus enganador, que, para mais fácil aceitação, é tomado como o Gênio Maligno, que emprega toda a sua indústria para nos enganar sempre, de modo que nossas lembranças, nossos sentidos e nossa razão nos conduzam sempre ao erro.

O propósito da dúvida é encontrar um ponto de certeza que esteja a salvo do Gênio Maligno – certeza que Descartes formula no famoso Cogito ergo sum, que representa a descoberta de que se eu posso ser enganado e me enganar, então eu sou alguma coisa.

A partir dessa certeza fundamental, Descartes procura as próximas certezas. A primeira pergunta a partir do Cogito deve ser: “se eu sou, o que sou?”. Descartes, então, utiliza um método negativo para chegar a uma certeza positiva: se posso imaginar que, mesmo eu sendo algo, meu corpo e o mundo não existem, então eu não sou meu corpo nem sou semelhante ao mundo. Minha natureza, portanto, é o pensamento. Ou seja: eu sou uma alma, e a alma é a substância pensante, em oposição à substância extensa do mundo e dos corpos.

A certeza de que eu sou uma substância pensante é clara e distina: não posso duvidar dela, e ela me aparece com distinção, como uma intuição. Intuição, para Descartes, é justamente a visão racional da evidência.

Investigando então as idéias, partindo dos dados disponíveis neste ponto, Descartes chega à conclusão de que elas são de três espécies: as idéias que têm origem fora do sujeito, fora de mim, e são resultado da apreensão do mundo pelos sentidos; as idéias que são originadas de minha imaginação; e a idéia de Deus, que não posso ter apreendido pelos sentidos, posto que não é semelhante às coisas externas, nem posso ter imaginado, visto que as qualidades de Deus (ser uma substância infinita, eterna, imutável, onipotente, onisciente e pela qual todas as coisas foram criados) são tão grandes que eu não poderia tê-las inventado.

A idéia de Deus, portanto, só pode ter sido imprimida em minha alma pelo próprio Deus. A essa prova da existência de Deus, Descartes adiciona seu argumento ontológico, que diz que, se Deus é um ser perfeito, e a perfeição exige, além das noções de eternidade, infinitude, onipotência, onisciência, também a noção de existência, então Deus não pode não existir. Se posso conceber um ser perfeito, então esse ser perfeito necessariamente existe e é a causa da idéia de ser perfeito que tenho inata.

Com a certeza da existência de Deus, o argumento do Gênio Maligno perde sua força, pois Deus não pode enganar – ou não seria Deus.

Assim, neste ponto da argumentação das Meditações se encerra a exigência da dúvida metódica, dado que a prova da existência de Deus garante a veracidade do mundo externo (pois Deus não pode desejar me enganar, ou não seria Deus e sim um Gênio Maligno) e das verdades da razão, como as verdades matemáticas. A partir daqui, é possível fazer ciência, pois se construiu uma fundamentação sólida para o conhecimento verdadeiro.

Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Descartes é a rejeição de toda e qualquer autoridade distinta da razão no processo da fundamentação do conhecimento. Descartes proclama a independência da filosofia, que deve se submeter apenas à razão – e essa independência se estende à física e a todas as ciências. As três primeiras Meditações insistem justamente nessa idéia: a concepção de que apenas a razão pode, por meio de um método construído pela própria razão, garantir o conhecimento verdadeiro – claro e distinto – das coisas. Em outras palavras, a única garantia da ciência é a razão.

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8 comentários sobre “A importância das Meditações de Descartes

  1. Muito bom o comentário , se não se importa eu passei seu blog para alguns alunos para que os mesmos tivessem de forma mais clara o conteúdo das meditações cartesianas.

  2. Nas suas palavras Descartes nos alerta em não aceitar nada antes de passarmos sob o crivo da razão! acho perfeito!…

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