A Escola Eleata

Assim como a Escola de Éfeso, a Escola Eleata, ou Escola Italiana, teve muita influência no pensamento posterior.

Os três mais importantes filósofos de Eléia foram Xenófanes (570 – c. 470 a.C.), Parmênides (510 – 440 a.C.) e Zenão (490 – 430 a.C.); os três abordaram o mesmo problema e deram respostas aproximadas. O problema abordado foi a questão da permanência e da identidade diante da mudança dos seres, ou a questão da unidade e da universalidade do Ser diante da multiplicidade dos seres particulares.

Este problema foi também abordado por Heráclito. A resposta de Heráclito foi ligeiramente diferente da apresentada pelos eleatas, embora a tradição da história da filosofia muitas vezes tenha considerado as teses de Heráclito não apenas um pouco distantes, mas opostas às da Escola de Eléia.

A resposta ao problema a respeito da natureza da realidade – se a realidade é una ou múltipla, se é estável ou dinâmica – foi dada, do mesmo modo que na filosofia de Heráclito, por meio da proposta de separação entre a natureza visível múltipla e variável e a realidade racional.

A grande novidade dos eleatas, contudo, é a atribuição do Um que abarca toda a multiplicidade dos seres ao Absoluto imutável. Para Heráclito, a realidade do Logos não era o Absoluto imutável; era também mudança.

O primeiro dos eleatas, Xenófanes, não era natural de Eléia, mas de Colófão. Contudo, por ter ido viver em Eléia, onde foi professor de Parmênides e ficou conhecido, além de ter influenciado toda a tradição eleata, é tratado como se fosse o primeiro dos eleatas.

Xenófanes propôs que o único princípio e ser de todas as coisas é uma unidade, um inteiro; essa unidade não pode ser qualificada, pois qualquer qualificação excluiria seu contrário, o que tornaria a unidade incompleta, e, consequentemente, menor que um, menos que o inteiro. Então, a unidade não pode ser limitada nem ilimitada, nem móvel nem estática.

Uma idéia inovadora de Xenófanes é que foi o primeiro a identificar essa unidade do ser que tudo abarca a Deus, a um Deus único e uno. Esse Deus é necessário, e, consequentemente, não pode ter sido criado por nada, sendo incriado desde sempre; como Deus é o ser absoluto, não pode ter sido criado por outro ser, e muito menos por um não-ser. Além disso, Deus não tem atributos humanos; os homens atribuem a Deus características suas (do mesmo modo que outro animal atribuiria a Deus características próprias de sua espécie). Portanto, Xenófanes defendeu, pela primeira vez, uma concepção filosófica de Deus: o ser necessário, uno e absoluto, sem começo nem fim no tempo ou no espaço, no qual todas as coisas particulares têm seu ser. Essa concepção foi e é extremamente importante na história do pensamento: é este o Deus sugerido por Aristóteles por meio da figura do primeiro motor; é este o Deus que as cinco vias de Tomás demonstram; é neste Deus que os filósofos teístas do século XVIII acreditam; é esta a concepção de Deus compatível inteiramente com a ciência contemporânea.

O segundo dos filósofos eleatas, Parmênides, foi aluno de Xenófanes e de suas idéias partiu para desenvolver seu próprio pensamento.

A primeira tese de Parmênides é que só uma coisa é, ou seja, só uma coisa tem a propriedade de ser, de existir: somente o Ser é. Isso significa que todas as coisas que são, que existem, compõem uma unidade, pois são no Ser. Contudo, obviamente há uma multiplicidade de coisas que são; essa multiplicidade é evidente pelos próprios fenômenos, ou seja, pelos próprios conhecimentos advindos dos sentidos. Parmênides concilia essa dupla realidade propondo que existe uma realidade formal única, o Ser; e que existe uma realidade fenomênica múltipla, composta por todas as coisas que são, ou seja, os seres.

Para Parmênides, o Ser é equivalente à concepção de Deus de Xenófanes, e é o único Ser verdadeiro; todas as outras coisas são enquanto coisas nas quais subsiste o Ser imóvel e uno. Isso significa que o movimento e a multiplicidade são o que não é o Ser nas coisas; ora, o não-ser não é, o não-ser não existe; consequentemente, a aparência de multiplicidade e movimento que temos por meio dos sentidos não é parte do Ser, e não existe realmente.

Percebe-se aqui que Parmênides tem uma posição surpreendentemente próxima à de Heráclito, que afirma que a realidade é o logos e que as pessoas geralmente não conhecem o logos, mas permanecem no mundo da multiplicidade e da mudança, um mundo de sonhos e não de vigília. Mas Parmênides tem, ao mesmo tempo, uma posição em parte diferente daquela de Heráclito. Enquanto Heráclito segue o caminho da conciliação dos opostos para chegar à unidade, propondo que da aparente dualidade se chega ao Uno, ao logos, Parmênides segue o caminho de propor a unidade do Ser imediatamente: o Ser não é divisível em opostos, o Ser simplesmente é. Este também é o sentido da discordância de Parmênides em relação aos pitagóricos: do mesmo modo que Heráclito, os pitagóricos afirmavam que da conciliação dos opostos se chega à unidade, ou seja: que a realidade é divisível, por ser número. Para os eleatas, contudo, a realidade simplesmente não é número, não é absolutamente divisível.

O terceiro grande filósofo eleata foi Zenão. Aluno de Parmênides, defendeu as idéias de seu mestre contra as dos pitagóricos. É conhecido pelos paradoxos com os quais nega a realidade do movimento.

Os paradoxos de Zenão são argumentos com os quais demonstra que é impossível que a realidade seja descontínua, múltipla e divisível como queriam os Pitagóricos, e que, portanto, a realidade deveria ser una, contínua e indivisível, o que era a tese de sua Escola. Na doxografia abaixo seus paradoxos são apresentados por Aristóteles.

TEXTOS DE APOIO

Xenófanes (570-470 a.C.)

Sobreviveram fragmentos de um poema, no qual criticava e satirizava várias idéias, incluindo a crença em deuses antropomórficos e a veneração dos gregos ao atletismo.

DOXOGRAFIA

[Fala o Estrangeiro de Eléia.] É uma espécie de mito que cada um parece contar-nos, como se fôssemos crianças. Um dizendo que são três os seres, mas combatem às vezes entre si alguns deles, e outras, tornados amigos, casam-se, têm filhos e os alimentam; outro diz que há dois, úmido e seco ou quente e frio, fá-los coabitar e casar-se. E entre nós a gente eleática, a começar de Xenófanes e ainda de mais longe, não se vê senão a unidade no que chamamos de “todas as coisas”, e assim nos explica em seus mitos.

(PLATÃO. Sofista)

Pois Parmênides parece referir-se ao um, segundo o conceito, e Melisso ao um, segundo a matéria. Por isso aquele diz que o um é limitado, e este, que é ilimitado. Xenófanes, o primeiro a postular a unidade (de Parmênides diz-se que foi discípulo dele), nada esclareceu, nem parece que vislumbrou nenhuma dessas duas naturezas, mas, dirigindo o olhar a todo o céu, diz que o um é o deus. Portanto, como dissemos, devem ser deixados na presente investigação, sobretudo dos dentre eles, por serem um tanto ingênuos, a saber, Xenófanes e Melisso.

(ARISTÓTELES. Metafísica)

FRAGMENTOS de XENÓFANES

Muitíssimas vezes mencionaram atos ímpios dos deuses, roubo, adultério e fraude mútua.”

Mas se mãos tivessem os bois, os cavalos e os leões e pudessem com as mãos desenhar e criar obras como os homens, os cavalos semelhantes aos cavalos, os bois semelhantes aos bois, desenhariam as formas dos deuses e os corpos fariam tais quais eles próprios têm.”

Os egípcios dizem que os deuses têm nariz chato e são negros, os trácios, que eles têm olhos verdes e cabelos ruivos.”

Parmênides (510-440 a.C.)

Chegaram ao nosso tempo alguns fragmentos de um poema dividido em duas partes. Na primeira, O caminho da verdade, explica como a realidade é uma; a mudança é impossível; a existência é eterna, uniforme e imutável. Na segunda parte, O caminho da opinião, explica o mundo de aparências, que é falso e enganoso. Essas ideias influenciaram fortemente Platão.

DOXOGRAFIA

Parmênides parece estar vinculado à unidade formal, enquanto Melisso, à unidade material. Parmênides parece, neste ponto, raciocinar com mais penetração. Julgando que fora do ser o não-ser nada é, forçosamente admite que só uma coisa é, a saber, o ser, e nenhuma outra… Mas, constrangido a seguir o real, admitindo ao mesmo tempo a unidade formal e a pluralidade sensível, estabelece duas causas e dois princípios: quente e frio, vale dizer, Fogo e Terra. Destes dois princípios ele ordena um (o quente) ao ser, o outro ao não-ser. Examinando a verdade nos seres, como seres admitia só as coisas sensíveis.

(ARISTÓTELES. Metafísica)

Uns negam absolutamente geração e corrupção, pois nenhum dos seres nasce ou perece, a não ser em aparência para nós. Tal é a doutrina da escola de Melisso e de Parmênides, doutrina que, por excelente que seja, não pode ser tida como fundada sobre a natureza das coisas.. Pois, se existem seres engendrados e absolutamente imóveis, pertencem mais a ciência outra que não à da natureza, e anterior a ela. Mas estes filósofos, ao conceberem a existência apenas para a substância das coisas sensíveis, crendo plenamente nisso, e os primeiros que sem tais naturezas imóveis não pode haver nem conhecimento nem sabedoria, não faziam mais que transferir aos seres sensíveis as razões só válidas para as realidades. Partindo desses raciocínios, deixando de lado o testemunho dos sentidos e negligenciando-o sob o pretexto de que se deve seguir a razão, alguns pensadores ensinam que o todo é um, imóvel e ilimitado; pois o limite só poderia limitar em relação ao vazio. Tais são as causas pelas quais esses pensadores desenvolveram as teorias sobre a verdade. Certamente, segundo este raciocínio, parece suceder assim com estas coisas; mas, se se tomam em conta fatos, semelhante opinião parece uma loucura.

(ARISTÓTELES. Do Céu)

Segundo Alexandre, Teofrasto, no primeiro livro de sua Física, relata assim o raciocínio de Parmênides: “O que está fora do ser não é ser; o não-ser é nada; o ser, portanto, é um”. E Eudemo conta da seguinte forma: “O que está fora do ser não é ser; e só de uma maneira se chama o ser; um, portanto, é o ser”. Se Eudemo escreveu isso em alguma outra parte com tanta sabedoria, não sei dizer. Mas nos Físicos, a respeito de Parmênides, escreveu o seguinte, donde é igualmente possível deduzir o que foi dito: “Parmênides não parece demonstrar que um é o ser, nem se alguém com ele concordaria em chamar o ser de uma forma, a não ser o que foi revelado nele de cada um como o homem dentre os homens”.

E dando em detalhe as palavras, a palavra do ser subsiste em todas as coisas como uma e ela mesma, assim, como a do animal nos animais. Da mesma maneira, se todos os seres fossem belos e nada fosse tomar o que não é belo, mas belas serão todas as coisas, e na verdade não é um só o belo mas muitos (pois a cor será bela em relação à familiaridade, aos costumes ou por outro motivo qualquer), assim também os seres todos serão, mas não um nem o mesmo; pois um é a água e outro, o fogo. Por conseguinte, ninguém leve a mal se Parmênides seguiu palavras não merecedoras de fé e se foi enganado pelas que então ele não soube explicar claramente – pois ninguém o disse de muitos modos, e foi Platão o primeiro que introduziu o duplo sentido, nem o sentido em si nem o por casualidade. Parece que ele foi totalmente enganado pelas palavras. É isso que foi observado das suas palavras e contradições e o raciocinar; pois não concordava, se não parecesse forçoso. Os antecessores, porém, o afirmaram sem provas.

(SIMPLÍCIO. Física)

FRAGMENTOS de PARMÊNIDES

SOBRE A NATUREZA

Necessário é o dizer e pensar que (o) ente é; pois é ser,

e nada não é; isto eu te mando considerar.

Pois primeiro desta via de inquérito eu te afasto,

mas depois daquela outra, em que mortais que nada sabem

erram, duplas cabeças, pois o imediato em seus

peitos dirige errante pensamento; e são levados

como surdos e cegos; perplexas, indecisas massas,

para os quais ser e não ser é reputado o mesmo

e não o mesmo, e de tudo é reversível o caminho.

* * *

Não, impossível que isso prevaleça, ser o não ente.

Tu porém desta via de inquérito afasta o pensamento;

nem o hábito multiexperiente por esta via te force;

exercer sem visão um olho, e ressoante um ouvido,

e a língua, mas discerne em discurso controversa tese

por mim exposta.

Só ainda o mito de uma via

resta, que é; e sobre esta índicios existem,

bem muitos, de que ingênito sendo é também imperecível,

pois é todo inteiro, inabalável e sem fim;

nem jamais era nem será, pois é agora todo junto,

uno, contínuo; pois que geração procurarias dele?

Por onde, donde crescido? Nem de não ente permitirei

que digas e pense; pois não dizível nem pensável

é que não é; que necessidade o teria impelido

a depois ou antes, se do nada iniciado, nascer?

Assim ou totalmente necessário ser ou não.

Nem jamais do que em certo modo é permitia força de fé

nascer algo além dele; por isso nem nascer

nem perecer deixou justiça, afrouxando amarras,

mas mantém; e a decisão sobre isto está no seguinte:

é ou não é; está portanto decidido, como é necessário,

uma via abandonar, impensável, inominável, pois verdadeira

via não é, e sim a outra, de modo a se encontrar e ser real.

E como depois pereceria o que é? Como poderia nascer?

Pois se nasceu, não é, nem também se um dia é para ser.

Assim geração é extinta e fora de inquérito perecimento.

Nem divisível é, pois é todo idêntico;

nem algo em uma parte mais, que o impedisse de conter-se,

nem também algo menos, mas é todo cheio do que é,

por isso é todo contínuo; pois ente a ente adere.

Por outro lado, imóvel em limites de grandes liames

é sem princípio e sem pausa, pois geração e perecimento

bem longe afastaram-se, rechaçou-os fé verdadeira.

O mesmo e no mesmo persistindo em si mesmo pousa.

e assim firmado aí persiste; pois firme a Necessidade

em liames o mantém, de limite que em volta o encerra,

para ser lei que não sem termo seja o ente;

pois é não carente; não sendo, de tudo careceria.

O mesmo é pensar e em vista do que é pensamento.

Pois não é sem o que é, no qual é revelado em palavra,

acharás o que pensar; pois nem era ou é ou será

outro fora do que é, pois Moira o encadeou

a ser inteiro e imóvel; por isso tudo será nome

quanto os mortais estatuíram, convictos de ser verdade,

engendrar-se e perecer, ser e também não,

e lugar cambiar e cor brilhante alterar.

Então, pois limite é extremo, bem terminado é,

de todo lado, semelhante a volume de esfera bem redonda,

do centro equilibrado em tudo; pois ele nem mesmo algo maior

nem algo menor é necessário ser aqui ou ali;

pois nem não-ente é, que o impeça de chegar

ao igual, nem é que fosse a partir do ente

aqui mais e ali menos, pois é todo inviolado;

pois a si de todo igual, igualmente em limites se encontra.

Neste ponto encerro fidedigna palavra e pensamento

sobre a verdade; e opiniões mortais a partir daqui

aprende, a ordem enganadora de minhas palavras ouvindo.

Pois duas formas estatuíram que suas sentenças nomeassem,

das quais uma não se deve – no que estão errantes -;

em contrários separaram o compacto e sinais puseram

à parte um do outro, de um lado, etéreo fogo de chama,

suave e muito leve, em tudo o mesmo que ele próprio

mas não o mesmo que o outro; e aquilo em si mesmo puseram

em contrário, noite sem brilho, compacto denso e pesado.

A ordem do mundo, verossímil em todos os pontos, eu te revelo,

para que nunca sentença de mortais te ultrapasse.”

Zenão (490-430 a.C.)

DOXOGRAFIA

Por outro lado, a dificuldade que Zenão aponta, dizendo que, “se o lugar é alguma coisa, ele está em alguma coisa”, não é difícil resolver; pois nada impede que em outra coisa esteja o primeiro lugar, mas seguramente não como naquele lugar etc. A dificuldade de Zenão exige uma reflexão; com efeito, se todo ser está num lugar, é claro que haverá também um lugar do lugar, e isto vai ao infinito. A isto mesmo parece levar também à dificuldade de Zenão. De fato, julga ele que todo ser está em algum lugar; se o lugar é dos seres, onde estaria ele? Certamente em outro lugar, e aquele, por sua vez, em outro, e assim por diante… Para Zenão, diremos que o “onde” se diz de muitas maneiras: se ele julgou estarem os seres num lugar, não julgou bem; pois ninguém diria que saúde, coragem e outras coisas mil estão num lugar; nem mesmo, é claro, sendo o lugar tal como se afirma. Se de outra forma se diz “o onde”, também o lugar seria onde; ora, o limite do corpo é o onde do corpo; pois é o extremo.

(ARISTÓTELES. Física)

Há quatro argumentos de Zenão a respeito do movimento que oferecem dificuldades a quem queira resolvê-las.

O Primeiro Argumento: A impossibilidade do movimento é deduzida do fato de que o móvel transportado deve chegar primeiro à metade antes de alcançar o termo; sobre isso discorremos nos argumentos anteriores. Por isso o argumento de Zenão supõe, sem razão, que os infinitos ou tocados sucessivamente num tempo infinito. Com efeito, a extensão e o tempo, e em geral todo conteúdo, chamam-se infinito em dois sentidos, seja em divisão, seja com relação aos extremos. Sem dúvida, os infinitos em quantidade não podem ser tocados num tempo finito; mas os infinitos em divisão, sem, uma vez que o próprio tempo também é infinito dessa maneira. Por conseguinte, é no tempo infinito e não no tempo finito que se pode percorrer o infinito, e, se se tocam infinitos, é por infinitos, não por finitos. Temos muitos argumentos contrários à opinião comum, como a de Zenão, que não admite mover-se ou atravessar o estádio.

O Segundo Argumento: é o que leva o nome de Aquiles. É o seguinte: o mais lento na corrida jamais será alcançado pelo mais rápido; pois o que persegue deve sempre começar por atingir o ponto donde partiu o que foge. É o mesmo argumento que o da dicotomia: a única diferença está em que, se a grandeza sucessivamente acrescentada é bem dividida, não o é mais em dois.

O Terceiro Argumento: Pretende que a flecha, ao ser projetada, esteja em repouso. É a consequência da suposição de que o tempo seja composto de instantes; se se recusa esta hipótese, não há mais o silogismo. Zenão comete um paralogismo: pois, se toda coisa – diz ele – está num dado momento em repouso ou em movimento (mas nada está em movimento) quando está num espaço igual a si mesmo, o que é projetado está sempre no momento presente (e toda coisa num lugar a si mesmo está no momento presente), a flecha projetada está sempre imóvel.

O Quarto Argumento: Trata de massas iguais que se movem em sentido contrário no estádio ao longo de outras massas iguais, umas a partir do fim do estádio, outras do meio, com velocidades iguais; a consequência pretendida é a de que metade do tempo seja igual a seu dobro. O paralogismo consiste em se pensar que uma grandeza igual, com velocidade igual, se movimente num tempo igual, tanto ao longo do que está em movimento como ao longo do que está em repouso. Mas isso é falso. Sejam AA as de massas iguais que estão imóveis; BB, as que partem do meio dos AA e são iguais a essas em número e tamanho; CC, as que partem da extremidade, iguais àquelas em número e tamanho e de mesma velocidade que as dos BB. Consequências: o primeiro B está na extremidade ao mesmo tempo que o primeiro C, visto que se movem paralelamente. Do outro lado, os CC percorreram todo o intervalo ao longo de todos os BB, e os BB, metade do intervalo ao longo dos AA; por conseguinte, só metade do tempo; com efeito, para os grupos tomados dois a dois, há igualdade do tempo de passagem diante de cada A. Mas ao mesmo tempo os BB passaram diante de todos os CC; pois o primeiro B e o primeiro C estão, ao mesmo tempo, em extremidades opostas, sendo o tempo para cada um dos BB – diz ele – o primeiro que para os CC, porque os dois passam em tempo igual ao longo dos AA. Este é o argumento, e o mais conveniente, como diz Eudemo, pelo fato de o paralogismo ser evidente, pois as massas que se movem em sentido contrário umas às outras afastam-se com dupla distância no mesmo tempo em que o que se move ao longo do que está imóvel se afasta pela metade, e será de igual velocidade à daquelas.

(ARISTÓTELES. Física)

FRAGMENTOS de ZENÃO

Se o ser não tivesse grandeza, também não poderia existir, mas, se existe, necessariamente cada parte tem certa grandeza e espessura, e distância uma da outra. E a respeito da parte que está diante dela o mesmo se diz. Pois esta também terá grandeza e uma outra estará diante dela. É o mesmo, então, dizer isso uma vez apenas e dizê-lo sempre. Pois nenhuma parte do ser será limite extremo, nem estará uma parte sem relação com outra. Assim, se múltiplas são as coisas, necessariamente são pequenas e grandes; pequenas a tal ponto que não têm grandeza, grandes a tal ponto que são infinitas.”

Diz Zenão que uma coisa que não tem grandeza e espessura, nem massa, não poderia existir. Pois, se fosse acrescentada a uma outra coisa, em dada a aumentaria; pois, se uma grandeza que nada é a uma outra se acrescenta, nada pode ganhar em grandeza esta última. E assim já o acrescentado nada seria. Mas se, subtraída uma grandeza, a outra em nada diminuir, e, ao contrário, acrescentada uma, a outra não aumentar, é evidente que o acrescentado nada era, nem o subtraído.”

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Do mito ao pensamento racional – por François Châtelet

A história moderna da filosofia da Antiguidade restabelece uma ordem intelectualmente satisfatória para aqueles que a elaboram. No princípio, há, a religião, o mito, a poesia; de Homero a Píndaro (e, passando por um desvio, até os autores clássicos da tragédia); em seguida, uma transição: os “pré-socráticos”. No mesmo “saco” são metidos os “físicos” – Tales, por exemplo –, os atomistas, os médicos, os historiadores, Heráclito, Parmênides, Anaxágoras, Empédocles, os sofistas. Surge então Sócrates: tudo mda, mas de uma maneira que não é ainda radical. Com Platão, com a fundação da Academia, em 387, é instituída finalmente a ordem da racionalidade; precária, inábil, essa ordem, que estará sujeita a múltiplas modificações, determinou já seus princípios. Ao pensamento que obedece à exigência lendária, substitui-se uma nova lógica regulando, graças a uma estrita disciplina do discurso, a questão do direito à palavra verdadeira, isto é, eficaz.

Uma semelhante leitura é boa. É incontestável que a concepção grega do homem e do mundo se “secularizou” ou “laicizou” progressivamente e que o universo dos deuses desapareceu pouco a pouco face às ações dos homens. Enquanto nos séculos que se convencionou chamar homéricos a narração se organiza em torno dos personagens divinos, os personagens humanos sendo reduzidos eles próprios a essências com o estatuto da quase-dependência, na época clássica – no século V – o homem, como cidadão-guerreiro, que fala e que combate, aparece como assumindo o seu destino. Nesta época os gêneros culturais mudam de sentido e estilo: a tragédia, antes fundamentalmente religiosa, torna-se cerimônia cívica; a comédia passa do jogo burlesco à crítica política; outros se afirmam como a história-geografia: descrições lendárias e genealogias místicas dão lugar a paisagens e costumes analisados e descritos com precisão, a seqüências de acontecimentos narradas escrupulosamente; outros nascem como uma medicina que, doravante, faz apelo antes à investigação das causas das enfermidades que aos recursos ambíguos da adivinhação; como a “física”, que passa pouco a pouco das especulações mágicas ao estudo das relações fenomenais; como a arte da palavra, que deixa de ser o apanágio das famílias nobres para se tornar o meio do qual todo cidadão dispõe, pelo menos em direito, para fazer valer suas opiniões e interesses; como a “filosofia”, que deixa de ser declaração exaltante e misteriosa para reivindicar, com a mestria com que domina o jogo das questões e respostas, seu direito a definir em todos os domínios a jurisdição suprema.

Em suma, para falar como Condorcet, o progresso vai bem. Lentamente, as “luzes” se instalam. O lugar onde esta mutação se opera é a Polis, a Cidade. Esta se forma nas cidades coloniais, particularmente da Ásia Menor; chega então à metrópole e Atenas será o lugar de uma evolução tida posteriormente por exemplar. O esquema de evolução é, consequentemente, satisfatório: a conquista política do estatuto cívico – da ordem da cidadania, na qual o destino de cada um é definido não pela proximidade aos deuses, nem por pertencer a uma família, nem pela obrigação de lealdade a um chefe, mas pela relação ao princípio abstrato que é a lei – constitui uma primeira etapa. A instauração da democracia que se efetua, por causas históricas localizáveis, em Atenas, é o segundo momento. Uma democracia não é apenas, como sua etimologia indica, o poder do “povinho”, é antes o regime no qual o governo está “no meio”, quando cada cidadão está de direito e de fato capacitado a participar dele. Uma organização racional, correspondendo ao lugar do homem na disposição cósmica, se opõe às desordens dos bárbaros longínquos, à ordem absurda dos bárbaros demasiado próximos – o Império Persa. Subministra-se aí um pensamento novo, que rejeita nos horizontes distantes do arcaísmo o excessivo interesse pelos deuses e, em conseqüência, marca o exclusivo interesse pelos homens.

(CHÂTELET, François. História da Filosofia: Idéias, Doutrinas, vol. 1)

Os filósofos pré-socráticos – por Gerd Bornheim

O surto da Filosofia só pode ser compreendido através de certas características muito peculiares à religião grega. Não se trata de afirmar que a Religião tenha sido a causa da instauração da Filosofia; também não se trata tão-só de reconhecer a coincidência de certos conteúdos. O problema consiste muito mais em compreender como estes conteúdos foram transferidos de um contexto mítico para o domínio da pergunta racional. Quando Tales afirma que a água é o elemento primordial de todas as coisas, há nisto uma clara ressonância do mito homérico, que mergulha por sua vez nas mais primitivas crenças religiosas. Mas tal ressonância não autoriza a dizer que a afirmação do mundo natural implica a recusa de uma realidade sobrenatural. Sem dúvida, as colônias em que se desenvolveu a filosofia pré-socrática não se caracterizavam pela intensa religiosidade da Grécia peninsular – que se extasiava, na mesma época, com a tragédia. Não é, contudo, a falta de religiosidade que explica o surto da Filosofia. Trata-se muito mais de outro tipo de religiosidade, que obrigava o homem das colônias a viver mais por si mesmo e a desenvolver uma certa ousadia intelectual. O itinerário do pensamento pré-socrático não se desdobra do “mito ao logos”, mas de um logos mítico para a conquista de um logos mais acentuadamente noético.

Por outro lado, se quisermos explicar tal ousadia devemos atentar a um rasgo fundamental da religiosidade grega: o homem grego não compreende os seus deuses como pertencentes a um mundo sobrenatural; deparamos com uma religião que desconhece o dogma ou qualquer tipo de verdade que não encontre os seus fundamentos na própria ordem natural. Os deuses gregos apresentam-se com uma evidência que os prende à ordem natural das coisas. Não existe o exclusivismo do Deus hebraico ou muçulmano, que só reconhece o homem quando este se converte. Longe de se limitarem a uma igreja ou aos privilégios de um povo escolhido, os deuses gregos são reconhecidos em sua presença puramente natural na ordem do mundo. E é esta presença natural que empresta aos deuses gregos uma universalidade ímpar. Os deuses existem assim como existem as plantas, as pedras, o amor, os homens, o riso, o choro, a justiça.

A partir de tais pressupostos religiosos compreende-se que aos poucos uma atitude filosófica diante do real se tornasse viável, que o homem passasse a afirmar-se como um ser que por suas próprias forças questiona o real. Claro que a autonomia da pergunta filosófica só pode surgir ao cabo de um longo itinerário. Se em Homero o poeta se esconde, anônimo, atrás dos feitos dos deuses e dos heróis, já Hesíodo se apresenta como homem, e quase que constrói a seu modo uma teogonia. Desta forma, a atividade racional do homem se afirma com uma intensidade crescente, até atingir, ao tempo dos pré-socráticos, o seu primeiro momento de maturidade. Burnet chama a atenção para o fato de que os primeiros filósofos usam até mesmo a palavra deus em um sentido não-religioso. Se o pensamento filosófico é em certa medida condicionado pela Religião, esta passa a sofrer o impacto da Filosofia.

(BORNHEIM, Gerd. Os Filósofos Pré-Socráticos)

A filosofia de Heráclito de Éfeso

Heráclito (535 – 475 a.C.) era membro de uma família importante politicamente em Éfeso, mas recusou-se a disputar o poder.

É considerado um dos mais eminentes pensadores pré-socráticos. Muitos fragmentos de seu livro, “Sobre a Natureza”, foram reproduzidos pelos doxógrafos. A partir desses fragmentos é possível ter uma noção mais ou menos precisa das idéias de Heráclito – idéias que foram extremamente influentes entre os pensadores que buscavam compreender um princípio universal para além da transitoriedade das coisas particulares.

A característica mais evidente dos escritos de Heráclito é a presença de um grande orgulho e de desprezo. Despreza muitos indivíduos considerados importantes pelos gregos, como Homero, Hesíodo e Pitágoras.

Seu fragmento mais obscuro,

“Deste logos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas as coisas segundo esse logos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais quais eu discorro segundo a natureza distinguindo cada coisa e explicando como se comporta. Aos outros homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo”

é representativo desse desprezo. Nele, Heráclito afirma que:

1. o Logos (ou seja, a lei universal que rege todos os acontecimentos particulares e que é o fundamento da harmonia de todas as coisas) sempre existiu;

2. os que estão prestes a “ouvir” ou que tenham ouvido o Logos ficam descompassados, isto é, deslocados entre os outros homens;

3. isto deve-se ao fato de que os que ouvem o Logos e, conseqüentemente, passando a perceber todas as coisas a partir do Logos, parecem inexperientes em relação a tudo, porque tudo precisam reaprender; como diz Heráclito em outro fragmento, “o homem como uma criança ouve o divino, tal como a criança ao homem”;

4. esse aprendizado significa a distinção correta e a explicação do comportamento de cada coisa;

5. os outros homens, que não ouvem o Logos, vivem como se estivessem dormindo, não sendo capazes de perceber a verdadeira realidade – e, segundo Heráclito em outro fragmento, “não se deve agir nem falar como os que dormem”.

Heráclito pensava justamente nos homens que não ouvem o Logos ao dizer que “se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois, quando encontram ervilha para comer” e que “asnos prefeririam palha a ouro”.

As idéias mais importantes de Heráclito são relativas ao problema geral abordado pelos pré-socráticos, que é o problema cosmológico. Contudo, Heráclito não faz como Tales e Anaxímenes, que buscavam conhecer o arché, o princípio fundamental da physis. Heráclito estava preocupado em tentar compreender o logos, isto é, a razão universal invisível que ordena todas as coisas. Em certo sentido, a posição de Heráclito tem semelhanças com a de um dos milesianos: a de Anaximandro, que considerava que o arché é um infinito, ilimitado e indeterminado que determina todas as coisas particulares na physis. As idéias de Heráclito também não estão muito distantes das da escola pitagórica, que buscava compreender a harmonia quantitativa oculta sob a aparente multiplicidade qualitativa das coisas.

Heráclito formula a doutrina da unidade do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Essa idéia é exemplificada pelo fato de que os opostos têm sempre uma propriedade em comum que os unifica, ou seja, pertencem ao mesmo domínio do ser.

Isso significa também que a realidade única é a junção de todas as múltiplas percepções, e que a totalidade é produto de todas as coisas individuais.

Daí deriva-se outra tese importante de Heráclito: a de que todos os seres são dinâmicos, não há seres que permaneçam idênticos a si mesmos. Isso significa que mesmo o logos fundamental, a despeito de ser a condição oculta da harmonia do cosmos, é também eterna mudança.

É neste sentido que Heráclito afirma que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio: o rio muda a cada instante, não sendo idêntico a si mesmo, e, portanto, é um rio diferente a cada momento; e nós somos do mesmo modo.

Em suma: a posição de Heráclito é que poucos homens tentam compreender o logos, que é a unidade racional universal que ordena, harmoniza e permite explicar todas as coisas particulares, que são, por sua vez, interminável mudança e confronto de opostos.

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Pitágoras

A vida de Pitágoras não é muito conhecida. Isso porque o filósofo tornou-se uma figura lendária muito rapidamente, devido ao fato de ter criado uma espécie de confraria religiosa secreta, o que impediu que muitas informações confiáveis fossem disponíveis e fez com que muitas histórias sobre sua vida só viessem a ser escritas muitos séculos após sua morte.

Pitágoras nasceu em Samos, importante cidade comercial localizada na ilha de mesmo nome, por volta de 570 a.C. e morreu por volta de 495 a.C. Segundo a tradição, teria viajado e conhecido várias civilizações, como a egípcia, onde teria aprendido geometria. Com cerca de 40 anos, teria se mudado para uma cidade no sul da Itália, Cróton, onde teria fundado sua seita secreta, que passou a ser perseguida devido a lutas políticas. Com seu templo queimado, Pitágoras teria sido obrigado a fugir da cidade, refugiando-se em Metaponto, onde morreu.

A fraternidade pitagórica tinha inspiração nos ritos órficos.

Para compreender o que eram os ritos órficos, é preciso entender que a religião, na Grécia do século VI, tinha duas dimensões: de um lado, a religião oficial; de outro, os ritos místicos secretos. O Orfismo era uma das religiões secretas mais importantes e tinha como principais crenças:

– no homem se hospeda um princípio divino, um daemon, que caiu no corpo devido a uma culpa original;

– o daemon preexiste e sobrevive ao corpo;

– a vida órfica, com seus ritos e práticas, é a única em condições de libertar a alma do corpo;

– para quem se purificou há um prêmio no além.

Na religião órfica surge pela primeira vez a idéia definida da individualidade do eu e da dignidade da individualidade. Além disso, há um forte sentido de justiça (o que justifica a crença na reencarnação, visto que, se há injustiça nesta vida, deve haver reparação em uma vida futura).

Todas essas idéias foram aproveitadas por Pitágoras. O filósofo, contudo, introduziu uma nova e original idéia: o cosmos é proporção, medida, harmonia geométrica, harmonia matemática; o qualitativo é quantitativo.