Heráclito (535 – 475 a.C.) era membro de uma família importante politicamente em Éfeso, mas recusou-se a disputar o poder.
É considerado um dos mais eminentes pensadores pré-socráticos. Muitos fragmentos de seu livro, “Sobre a Natureza”, foram reproduzidos pelos doxógrafos. A partir desses fragmentos é possível ter uma noção mais ou menos precisa das idéias de Heráclito – idéias que foram extremamente influentes entre os pensadores que buscavam compreender um princípio universal para além da transitoriedade das coisas particulares.
A característica mais evidente dos escritos de Heráclito é a presença de um grande orgulho e de desprezo. Despreza muitos indivíduos considerados importantes pelos gregos, como Homero, Hesíodo e Pitágoras.
Seu fragmento mais obscuro,
“Deste logos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir quer tão logo tenham ouvido; pois, tornando-se todas as coisas segundo esse logos, a inexperientes se assemelham embora experimentando-se em palavras e ações tais quais eu discorro segundo a natureza distinguindo cada coisa e explicando como se comporta. Aos outros homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo”
é representativo desse desprezo. Nele, Heráclito afirma que:
1. o Logos (ou seja, a lei universal que rege todos os acontecimentos particulares e que é o fundamento da harmonia de todas as coisas) sempre existiu;
2. os que estão prestes a “ouvir” ou que tenham ouvido o Logos ficam descompassados, isto é, deslocados entre os outros homens;
3. isto deve-se ao fato de que os que ouvem o Logos e, conseqüentemente, passando a perceber todas as coisas a partir do Logos, parecem inexperientes em relação a tudo, porque tudo precisam reaprender; como diz Heráclito em outro fragmento, “o homem como uma criança ouve o divino, tal como a criança ao homem”;
4. esse aprendizado significa a distinção correta e a explicação do comportamento de cada coisa;
5. os outros homens, que não ouvem o Logos, vivem como se estivessem dormindo, não sendo capazes de perceber a verdadeira realidade – e, segundo Heráclito em outro fragmento, “não se deve agir nem falar como os que dormem”.
Heráclito pensava justamente nos homens que não ouvem o Logos ao dizer que “se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois, quando encontram ervilha para comer” e que “asnos prefeririam palha a ouro”.
As idéias mais importantes de Heráclito são relativas ao problema geral abordado pelos pré-socráticos, que é o problema cosmológico. Contudo, Heráclito não faz como Tales e Anaxímenes, que buscavam conhecer o arché, o princípio fundamental da physis. Heráclito estava preocupado em tentar compreender o logos, isto é, a razão universal invisível que ordena todas as coisas. Em certo sentido, a posição de Heráclito tem semelhanças com a de um dos milesianos: a de Anaximandro, que considerava que o arché é um infinito, ilimitado e indeterminado que determina todas as coisas particulares na physis. As idéias de Heráclito também não estão muito distantes das da escola pitagórica, que buscava compreender a harmonia quantitativa oculta sob a aparente multiplicidade qualitativa das coisas.
Heráclito formula a doutrina da unidade do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Essa idéia é exemplificada pelo fato de que os opostos têm sempre uma propriedade em comum que os unifica, ou seja, pertencem ao mesmo domínio do ser.
Isso significa também que a realidade única é a junção de todas as múltiplas percepções, e que a totalidade é produto de todas as coisas individuais.
Daí deriva-se outra tese importante de Heráclito: a de que todos os seres são dinâmicos, não há seres que permaneçam idênticos a si mesmos. Isso significa que mesmo o logos fundamental, a despeito de ser a condição oculta da harmonia do cosmos, é também eterna mudança.
É neste sentido que Heráclito afirma que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio: o rio muda a cada instante, não sendo idêntico a si mesmo, e, portanto, é um rio diferente a cada momento; e nós somos do mesmo modo.
Em suma: a posição de Heráclito é que poucos homens tentam compreender o logos, que é a unidade racional universal que ordena, harmoniza e permite explicar todas as coisas particulares, que são, por sua vez, interminável mudança e confronto de opostos.
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