Sim, o pós-moderno pode ser reacionário.
Para o humanismo pós-moderno de um Heidegger ou de um Sartre, não existe a possibilidade da objetividade – especialmente da objetividade científica. Se cada homem cria o mundo, e o mundo é criação de cada homem, não subsiste a universalidade epistemológica que autoriza o processo objetificante das metodologias. Para os humanistas pós-modernos, cada homem tem sua certeza, e, nessa certeza, possui a verdade. Cada homem tem seus próprios valores (morais e hermenêuticos), e o solipsismo fenomenológico impede que os valores sejam comparados a valores-padrão. A que isto remete? Relativismo absoluto dos valores.
O humanismo pós-moderno é, então, uma posição que, acima de tudo, põe o homem individual – e não algo como a humanidade, ou o homem comum, ou o homem médio, ou o Homem – no centro do processo de valoração e de conhecimento de tudo. Neste sentido, o humanismo pós-moderno de Heidegger e Sartre é bastante diferente do humanismo grego de Sócrates, do humanismo medieval de Agostinho, do humanismo renascentista de Descartes, do humanismo esclarecido de Kant, do humanismo iluminista dos enciclopedistas franceses, do humanismo existencialista primordial de Kierkgaard, do humanismo materialista de Marx, do humanismo teológico de Teilhard de Chardin.
O humanismo pós-moderno é solipsista, é anti-científico. Podemos dizer, inclusive, que é reacionário de um certo ponto de vista: rejeita o sentido do desenvolvimento da humanidade, rejeita a possibilidade de uma busca a um bem objetivo, rejeita a identificação de algo intrinsecamente bom e de sua oposição a algo intrinsecamente mau, mesmo que apenas para que se assumam com estes valores metas para o desenvolvimento da humanidade.
O humanismo pós-moderno é reacionário porque considera o desenvolvimento da ciência algo opressor e maligno – não, contudo, positivamente, mas apenas porque afastaria a possibilidade de um modo de vida supostamente mais livre, mais espontâneo, mais autêntico. É reacionário porque rejeita o progresso político (lembremo-nos do apoio de Heiddeger à ditadura nacional-socialista de Hitler, de Sartre à ditadura comunista de Stálin – regimes brutais, reacionários, anti-libertários). É reacionário porque, em seu solipsismo da anti-racionalidade, não aceita argumentos racionais. É reacionário porque rejeita o senso de realidade que constrói a necessidade da criação de conhecimento e de evolução moral.
Sim, o pós-moderno é um reacionário.
O pós-moderno não é reacionário nem anti-reacionário; é cético
Desculpe a intromissão, rs. Fiquei atentado a escrever uma crítica deste seu pequeno texto. Os dois primeiros parágrafos são boas descrições elucidativas em torno do “humanismo pós-moderno”, mesmo sem defini-lo por você. Não acho necessário se ater a rigores acadêmicos: Heidegger ou Sartre sustentariam ou não sustentariam um “humanismo pós-moderno”, ou em que sentido se entende o termo “humanismo pós-moderno”. Aliás, acho abominável a crítica meramente terminológica de filósofo x ser y ou z; concordemos, portanto, que a premissa de ambos os filósofos serem considerados humanistas pós-modernos é plausível e faz grande sentido denominá-los assim.
A partir do terceiro parágrafo, no entanto, a sua crítica ao conceito de “humanismo pós-moderno” solapa, porque ao afirmar que “o humanismo pós-moderno é reacionário” você introduz indevidamente à sua crítica uma noção implícita de uma filosofia da história, a saber, concebendo o “desenvolvimento da humanidade” em uma História que tenderia ao progresso (uma metanarrativa, segundo J.-F. Lyotard), e transformando os sujeitos ou objetos contrários ao mesmo progresso (isto é, a favor de um retorno ao status quo) em reacionários. Logo, há conceitos subjacentes ao texto que são subjetivos, e não cientificamente objetivos. Pois como posso constatar objetivamente que o desenvolvimento da humanidade caminharia ao progresso? Somente conseguiria afirmar isto através de uma crença ou uma proposição que aposta em uma filosofia da história aliada ao desenvolvimento social e político ou ao próprio desenvolvimento científico. Se não fosse desse modo, eu mesmo sendo um fiel ao telos progressista e iluminista, acredito que seria muito mais fácil convencer um “reacionário” (apoiador de ditaduras ou anti-libertário como você mesmo diz) que ele está errado e estaria, portanto, defendendo o anti-progresso e a anti-evolução, já que compreender racionalmente o desenvolvimento da humanidade seria o mesmo que compreender racionalmente as leis naturais do movimento dos planetas.
Por detrás de todo grande campo do saber objetivo, sustento eu, existem premissas e crenças nada objetivas que dão fundamento a esses mesmos campos. Desse ponto de vista, discordo de você, pois o humanismo pós-moderno é altamente racional e científico, levando ao limite o ceticismo metodológico que boa parte do pensamento do século XX usufrue, desde Kant, passando por Husserl e a fenomenologia, de certo modo Wittgenstein e a filosofia analítica, e por fim Heidegger e Sartre ao negar a objetividade científica do realismo ingênuo ou da “coisa-em-si” kantiana. Como voltar a noções objetivas próprias da antiguidade em relação ao bem e ao mau intrínsecos? Esta é uma ótima questão. Para mim não há nada de errado em abraçar a incerteza cética ou pós-moderna que põe entre parênteses a objetividade científica; isso revela nossos anseios e expectativas com aquilo que admiramos e que são bastante subjetivos e humanos.
Entendo como um problema e algo ruim qualquer dos dois extremos, tanto a razão científica moderna quanto o ceticismo da pós-modernidade são nocivos quando levados às últimas consequências, primeiramente porque as últimas consequências da razão científica são o esquecimento da ética e a construção de uma verdade e uma história fechada. Do outro lado também é complicado, se pensarmos que ao valorizarmos apenas a ética e o relativismo moral, perdemos qualquer capacidade de conhecermos(gnosiologia), até porque a realidade não é efeito discursivo, claramente possui influência dos diversos discursos(que sabemos que possuem pesos diferentes), mas as realidades se constroem anteriormente aos discursos, e então sim, podemos voltar a Heidegger e Sartre: ”A existência precede a essência”. Quanto ao termo pós-moderno, o mesmo pode gerar muita ambiguidade, porque Górgias poderia ser enquadrado nesse movimento por conta desses parâmetros(ceticismo, relativismo…), logo, entendo como necessária ao conceito a sua historicização, sendo que na filosofia a pós-modernidade é diagnosticada entre o fim dos anos 1960 e o início da década de 1970 em diante.