Tendo-se familiarizado desde jovem com Crátilo e com as doutrinas heraclitéias (de que todas as coisas sensíveis se encontram em perpétuo estado de fluxo e não se pode ter conhecimento delas), manteve mais tarde essas opiniões. Sócrates, no entanto, ocupava-se com questões éticas e negligenciava o mundo natural como um todo, mas buscava o universal nesses assuntos de Ética e, pela primeira vez, aplicou o pensamento às definições. Platão aceitou a sua doutrina, sustentando, porém, que o problema não dizia respeito às coisas sensíveis e sim a entidades de outra espécie – e, por este motivo, a definição comum não podia versar sobre qualquer coisa sensível, uma vez que estas mudavam constantemente. A essa outra espécie de coisas chamou Ideias (ou Formas), dizendo que os sensíveis eram denominados de acordo com elas e em virtude de uma relação com elas; pois o múltiplo existe graças à participação nas Ideias que com eles têm o nome em comum. Aqui só existe de novo o termo “participação”, pois os Pitagóricos dizem que as coisas existem por “imitação” dos números, e Platão, por “participação”, mudando apenas o nome. Mas quanto ao que seja “imitação” ou “participação” nas Ideias, deixaram a questão aberta.
Além disso, lado a lado com as coisas sensíveis e com as Formas ele admite os objetos da Matemática, que ocupariam uma posição intermediária, diferindo das coisas sensíveis pelo fato de serem eternos e imutáveis, e das Formas por serem múltiplos e semelhantes, enquanto cada Forma é única em si mesma.
Como as Formas eram as causas de tudo mais, ele supôs que os seus elementos fossem os elementos de todas as coisas. Como matéria, o grande e o pequeno eram os princípios; como realidade essencial, o Um; pois é do grande e do pequeno, pela participação no Um, que nascem os números.
Concordava, porém, com os Pitagóricos em afirmar que o Um é substância, e não predicado de outra coisa, e também que os números são as causas da realidade de tudo mais. Mas a postulação de uma díade e a construção do infinito com o grande e o pequeno, ao invés de tratá-lo como uno, lhe são peculiares; e, do mesmo modo, a opinião de que os números existem à parte das coisas sensíveis, ao passo que os outros sustentam que os próprios sensíveis são números e não colocam os seres matemáticos entre as Formas e as coisas sensíveis. Essa discrepância com os Pitagóricos, ao conceber o Um e os números como separados das coisas, assim como essa introdução das Formas, devem-se às suas pesquisas no campo das definições (pois os pensadores antigos não tinham noção da Dialética); e, se concebeu a díade como outra entidade, foi por acreditar que os números, salvo os que são primos, podem ser facilmente formados por meio da díade como se esta fosse uma substância plástica. No entanto, é exatamente o contrário que acontece, e a teoria não é razoável. Com efeito, eles pretendem derivar da matéria uma multiplicidade, se bem que a Forma só gere uma vez; ora, o que observamos é que a mesa é feita de um pedaço de matéria, enquanto o homem que aplica a forma, apesar de ser um, faz muitas mesas. E a relação entre macho e fêmea assemelha-se a esta, pois a fêmea é emprenhada numa só cópula, ao passo que o macho emprenha muitas fêmeas. E todavia estes fatos são imagens daqueles primeiros princípios.
Eis aí, pois, como se pronunciou Platão acerca destes problemas; pelo que ficou dito é evidente que ele usou apenas duas causas, a essencial e a material (já que as Formas são a causa da essência de tudo mais e o Um é a essência das Formas). Não menos óbvia é a natureza da matéria-substrato, de que são predicadas as Formas no caso das coisas sensíveis e o Um no caso das Formas: trata-se de uma díade, do grande e do pequeno. Além disso, atribui ele a causa do bem a um dos elementos e a do mal ao outro – como, segundo dissemos, tinham procurado fazer alguns dos seus predecessores, nomeadamente Empédocles e Anaxágoras.
(ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Leonel Vallandro. Porto Alegre: Editora Globo, 1969)