Muitas vezes percebo que muitos professores têm dificuldade no preparo de uma boa prova de filosofia.
Sigo algumas regras:
1. Uma prova de filosofia precisa ser baseada na matéria que foi trabalhada em classe, e deve propor questões sobre temas já familiares aos alunos. Eu não imagino que os alunos possam resolver problemas mais complexos do que os que eu resolvi com eles.
2. Uma boa questão de filosofia precisa ser feita a partir de um texto. As questões devem ser baseadas em textos de dois tipos. Em primeiro lugar, podemos basear as questões em trechos (um ou dois parágrafos, por exemplo) de textos bem conhecidos (exemplo: falando da Teoria das Formas, colocar um trecho do Livro VII da República… falando da Escolástica, colocar um trecho da Suma Teológica; falando da Modernidade, colocar um trecho de Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento?, etc). Em segundo lugar podemos basear as questões em textos de jornal, de publicidade, de obras literárias, etc., quando eles podem indicar uma abordagem para o problema filosófico que é o tema da questão. E é claro que podemos usar uma mistura desses dois registros: podemos usar um texto clássico juntamente com um texto jornalístico, por exemplo. Em outras palavras, eu não proponho questões secas, sem textos que as suportem.
3. Procuro criar questões que o aluno tenha que responder com proposições completas e que não exijam a simples memorização de nomes e correntes filosóficas. Não entendo um professor que propõe questões idiotas que podem ser respondidas em uma ou duas palavras por decoreba e que destróem o pensamento filosófico, como, por exemplo: “Qual filósofo pré-socrático afirmava que tudo flui?”; “Qual o filósofo racionalista do século XVII que criou o método analítico?”. Perguntas assim são boas… para mostrar que o autor é um péssimo professor. Também tenho dificuldade de acreditar que professores façam questões com pontilhados para os alunos completarem, como: “……. foi filósofo do século IV e escreveu Confissões. Para ele, …….. é o ser perfeito ao qual todos aspiramos” etc. Quando vejo uma questão desse tipo (e já vi questões assim muitas vezes), não entendo como é que o energúmeno que a formulou pode estar numa sala de aula fingindo que ensina qualquer coisa.
4. Procuro fazer perguntas que possam ser compreendidas pelos alunos. Isso significa escolher um verbo de comando claro (explique, cite, exemplifique, compare, comente, interprete, apresente, indique, etc.); significa também que a questão deve ter uma resposta correta e uma ou mais erradas. Questões excessivamente genéricas ou imprecisas (exemplos: “qual o sentido da filosofia de Aristóteles?”; “qual a causa das transformações da filosofia?”; “como é a filosofia de Platão?”, etc) são ruins porque os alunos não entendem o que devem fazer. Uma boa questão de prova é aquela que o aluno lê e entende o que deve responder, ainda que, eventualmente, não saiba a resposta.
5. As questões devem ter um grau de dificuldade determinado. As provas devem ter questões fáceis, médias e difíceis. As questões fáceis devem ser meramente interpretativas. As questões médias podem ser uma mescla de interpretação e de utilização de conceitos apresentados em classe. As questões difíceis podem ser também uma mistura de interpretação e de criação de conceitos, mas com textos mais complexos. E é possível ainda propor questões muito difíceis (sugiro no máximo uma por prova): questões críticas, na qual o aluno deve elaborar argumentativamente uma solução coerente, a partir de uma das teses filosóficas estudadas no bimestre, para um problema filosófico difícil. Não é preciso dizer que o professor deve ser rigoroso na correção, ou não seria uma questão muito difícil. Se o professor aqui for molenga com a caneta vermelha, a questão mais difícil se torna, num passe de mágica, a questão mais fácil…
6. As melhores provas de filosofia são dissertativas. Não é impossível fazer uma boa prova de múltipla escolha, mas é nas provas dissertativas que o aluno pode realmente indicar o que sabe e o que não sabe.
7. Agora, a correção: eu não exijo que o aluno use exatamente as palavras e as frases lidas no livro-texto ou ouvidas em classe. Faço diferente: congratulo os alunos que conseguem exprimir, com as palavras deles, respostas coerentes e corretas. O objetivo não é fazer macaqueadores: é ensiná-los filosofia. Quando eles conseguem falar da filosofia com as suas próprias vozes, o professor está no caminho certo.
7. Não sou leniente na correção. Uma resposta errada está simplesmente errada. Não é porque o aluno acertou a pontuação, ou como se escreve Anaxímenes, que ele merece ganhar um décimo. Mas se ele errou a pontuação ou como se escreve Anaxímenes, tenho o o dever de apontar, e o direito de tirar uma parte da pontuação.
8. Eu aceito respostas que não estavam previstas, mas que também estão corretas. Muitas vezes percebo boas respostas cujos argumentos não haviam sido comentados em sala. Isso acontece porque os alunos são inteligentes e percebem outras soluções possíveis, e também porque muitos deles gostam de filosofia e estudam além do que é passado em classe. Congratulo o aluno quando isso acontece e fico feliz, pois é uma indicação de que o trabalho em classe está sendo aproveitado.
Amigo,
respeito tua opinião. Mas, no contexto das escolas públicas, em que os professores de Filosofia possuem 1 aula por semana pra cada turma, ele chega a ter mais de 500 alunos. Propor provas dissertativas – que por mais que eu também pense ser a melhor forma de avaliar o que um aluno sabe de Filosofia – é inviável neste contexto, a não ser que se dedique o final de semana, sem pausa, às correções. Desculpe, mas meu salário não me paga esta hora extra e nem vou entrar no mérito do sacerdócio da profissão de professor aqui. Infelizmente, nossa realidade não nos permite sermos “bons” professores de Filosofia. Mesmo assim, obrigado pelas dicas.
Cássio
Oi Cássio. Obrigado pela visita! Eu também tenho muitas turmas – mais de vinte… Por baixo, tenho uns 700 alunos. Embora eu reconheça a possibilidade de fazer uma boa prova de filosofia de múltipla escolha (e concordo que é muito mais fácil corrigir provas assim, o que é uma vantagem grande para nós), eu ainda acredito que uma boa prova de filosofia deve ser discursiva. E aplico provas discursivas em todas as minhas turmas. A correção é mais demorada? Sim. Perco fins de semana corrigindo provas? Sim. Mas é a vida. A propósito, vi teu blog. Gostei bastante. Também curto música. Abraço!
Obrigado,sou aluno,mas estou aqui para saber,o que se passa na cabeça do professor de filosofia.”Quando esta no campo de batalha é melhor saber o que se passa na cabeça de seu inimigo”obrigado assim não tenho mais surpresas nas provas.
Valeu muito bom para mim,estou atuando nessa área e me ajudará bastante tenho certeza.
Concordo com o Cássio, não tem como fazer provas com questões discursivas, assim perderemos nosso lazer e outras atividades que a vida nos trás.