Na semana passada, alguns alunos solicitaram que eu escrevesse alguma introdução bem simples explicando os filósofos pré-socráticos, Sócrates, os sofistas…
Decidi preparar um textinho que aborda três itens do programa de filosofia do vestibular da UFRJ: mito e filosofia; filosofia e sofística; retórica e dialética. Segue o texto.
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DO MITO AOS SOFISTAS
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Mito e filosofia
Para compreender o processo intelectual que resulta na filosofia contemporânea é necessário conhecer a origem da filosofia.
O contexto histórico do surgimento da filosofia é a Grécia do século VII a.C. Naquele tempo, as cidades gregas conheceram um período de expansão econômica, militar e geográfica. Foram fundadas inúmeras colônias gregas na Europa e na Ásia Menor.
Até o século VII a.C., o contexto cultural do homem grego era dado pelas grandes narrativas míticas e poéticas de Homero, nas quais deuses e homens interagiam em confrontos e amores. Embora a idéia da interação de homens com deuses seja estranha a nós, que vivemos na cultura cristã, na época chamada homérica isso era muito normal. A explicação é que os gregos tinham então uma concepção naturalista a respeito de todas as coisas do mundo; tanto os homens quanto os deuses eram seres naturais e, portanto, podiam relacionar-se. (Só para lembrar, a concepção cristã é diferente: pressupõe um Deus que cria a natureza, mas não faz parte dela).
Talvez muitos de vocês pensem que a mitologia grega seja parte da filosofia. Essa é uma idéia bem difundida, mas que está errada. Para entender o porquê, é preciso compreender como o mundo grego das narrativas homéricas transformou-se no mundo grego da filosofia.
A partir da expansão grega, alguns fenômenos intelectuais começaram a acontecer. Nas cidades, instituiu-se a ágora, que era a praça pública onde os cidadãos encontravam-se para conversar, fazer política e fechar negócios. No campo político, surgem as primeiras legislações. Na arte, aparece o teatro.
Nas colônias gregas, os homens tinham contato com viajantes de várias partes do mundo conhecido. Assim, muitos gregos puderam conhecer a matemática, a astronomia, a geometria. E alguns desses gregos começaram a investigar a natureza. Natureza, aqui, não significa mato, bichinho, floresta: significa a totalidade das coisas físicas. Aliás, a palavra física vem do grego phisis, que significa exatamente natureza (no sentido bem amplo a que nos referimos).
Mas o que estes primeiros “físicos” buscavam? Inicialmente, duas coisas: em primeiro lugar, saber a constituição fundamental das coisas da natureza; em segundo lugar, saber como a natureza veio a ser o que é – ou, em outras palavras, como o universo, o cosmo, surgiu.
O ponto de vista tradicional sobre o surgimento da natureza antes desses primeiros “físicos” era mítico; por isso, eles fizeram uma verdadeira revolução quando começaram a procurar as respostas para suas questões não nos mitos, mas naquilo que podiam conhecer a partir da sua própria experiência.
Essa foi a grande revolução da filosofia no século VII a.C.: os primeiros “físicos” (que eram simultaneamente os primeiros “filósofos”, ou, como é comum chamá-los, os “filósofos pré-socráticos”) recusaram os mitos na busca pela explicação a respeito do surgimento e da constituição da natureza. Eles preferiram confiar em sua razão. Por isso, podemos afirmar que a filosofia e a ciência são a tentativa do ser humano de rejeitar o mito. O mito não é uma parte da filosofia; pode-se dizer mesmo que a filosofia faz-se contra o mito, que a filosofia é uma recusa do mito.
Filósofos pré-socráticos
Falei no parágrafo acima a respeito de “filósofos pré-socráticos”. Provavelmente muitos alunos já sabem que os filósofos pré-socráticos foram aqueles filósofos que nasceram antes de Sócrates. Mas isso não basta. É necessário saber minimamente quem foi Sócrates e o motivo pelo qual foi tão importante que criou uma divisão na filosofia: antes de Sócrates / depois de Sócrates.
Eu já disse que os primeiros filósofos (entre o século VII e V a.C.) investigavam dois problemas a respeito da natureza: em primeiro lugar, investigavam a constituição fundamental das coisas; em segundo lugar, investigavam como a natureza havia surgido.
Sócrates (que viveu no século V, que é considerado o século de ouro da Grécia e, especialmente, de Atenas, sua cidade) é um filósofo muito importante porque ele percebeu que, antes de investigar a natureza, era necessário investigar o próprio ser humano – afinal, a natureza só é investigada porque há alguém para investigá-la, e parece sensato estudar este alguém antes de partir para a investigação das coisas externas.
A maior preocupação de Sócrates era, de fato, mostrar que o auto-conhecimento é o que há de mais importante na vida de uma pessoa. E o primeiro conhecimento deve ser a consciência da própria ignorância. É por isso que Sócrates profere sua mais célebre frase: “só sei que nada sei”. Reconhecendo sua falta de sabedoria, Sócrates podia dedicar-se a tentar obtê-la; e o desejo de obter a sabedoria que reconhece não possuir faz dele, paradoxalmente, o homem mais sábio.
A filosofia posterior a Sócrates, incluindo a filosofia praticada em nosso tempo, é socrática porque, à semelhança do filósofo de Atenas, não se contenta em investigar as coisas como elas são (como faziam os filósofos antes dele, os “pré-socráticos”), mas procura compreender como nós entendemos as coisas do modo que as entendemos. Além disso, Sócrates foi um dos primeiros a compreender a importância da discussão quando se pretende chegar à verdade – e toda a filosofia subseqüente aproveitará o método dialético na busca pelo conhecimento. A partir de Sócrates, fica claro que o conhecimento filosófico não é produto do acordo, mas da polêmica dialogada entre iguais.
Os sofistas
Referi-me ao método dialético no parágrafo acima. Para poder explicar o que é isso, é necessário antes apresentar um conjunto de sábios que participava da vida de Atenas e de várias outras cidades na época de Sócrates: os sofistas. Eu disse “conjunto de sábios”, mas essa expressão pode ser duplamente enganadora. Em primeiro lugar, não era um verdadeiro conjunto, pois os sofistas eram homens bem diferentes entre si, e seus ensinamentos não eram semelhantes. Muitas vezes, aliás, eles eram adversários uns dos outros. Em segundo lugar, muitos não considerariam os sofistas como sábios, pois os filósofos da Antiguidade tinham a tendência de considerar os sofistas como enganadores e manipuladores.
Por que, então, eu afirmei que eles eram um “conjunto de sábios”? Vamos ver primeiro em que sentido os sofistas podem ser considerados sábios.
Os sofistas eram homens oriundos de várias cidades e colônias gregas que viviam viajando de pólis em pólis oferecendo o uso e o ensino de suas habilidades. As habilidades dos sofistas eram relacionadas à capacidade de convencer. Os sofistas, portanto, ofereciam seus serviços na defesa e na acusação em julgamentos, sendo os primeiros advogados profissionais; e, com a fama que eventualmente ganhavam, podiam cobrar (bem caro, aliás) para ensinar a jovens a arte de vencer disputas argumentativas, transformando-se assim nos primeiros professores de retórica. Lembre-se de que nas democracias gregas a capacidade de discursar e de convencer era considerada o melhor meio de ascender social e politicamente.
Era devido à habilidade de defender igualmente bem duas teses diferentes e mesmo opostas, independentemente de qual fosse a tese verdadeira e de qual fosse a falsa, que os sofistas foram desprezados pelos filósofos – que, ao contrário dos sofistas, procuravam argumentos para encontrar a verdade e escapar ao erro. Por outro lado, justamente a facilidade de defender qualquer ponto de vista fazia com que os sofistas fossem muitas vezes considerados sábios, e é por isso que eu afirmei acima que eles o eram.
Finalmente, os sofistas podem ser estudados como um conjunto porque todos eles praticavam, embora cada um a seu modo, a argumentação como forma de vencer uma disputa, não importando onde estivesse a verdade. Aliás, a própria noção de verdade era relativa à força da argumentação: em última análise, a posição mais fortemente defendida seria a posição verdadeira. Eis outro motivo que levava os filósofos, que amavam a verdade (compreendida como algo que é independente da força dos argumentos, mas que existe independente da vontade das pessoas), a detestarem os sofistas.
A retórica e a dialética
Agora finalmente podemos compreender o que é o método dialético, questão que levantamos mais acima. Dialética é um método filosófico: é a busca pela verdade por meio da análise cuidadosa dos argumentos. A dialética não era praticada pelos sofistas, pois a dialética procura pela verdade, e os sofistas apenas defendem uma posição pré-determinada.
Os sofistas não usavam a dialética: usavam a retórica. A retórica é o bom uso dos argumentos para defender uma posição. Esses argumentos, inclusive, podem ser maus argumentos, podem ser argumentos que não têm valor lógico mas que têm capacidade de convencimento; a esses argumentos enganadores, aparentemente sólidos mas na verdade falhos, os filósofos passaram a chamar “sofismas”. Isso vem bem a calhar, pois os sofistas não tinham pudores de usar argumentos falhos, desde que isso os ajudasse a defender seu objetivo.
Percebemos então que dialética e retórica são dois tipos de utilização da argumentação. A dialética é o tipo de argumentação filosófica, e visa o conhecimento e a verdade. A retórica é o tipo de argumentação dos sofistas (e, por conseqüência, dos advogados), e visa o convencimento e a vitória no debate. Aliás, a retórica é muitas vezes considerada uma arte: a arte de convencer.
Podemos dizer então que o que define a filosofia, desde seu início no século VII a.C. com os filósofos pré-socráticos, é a busca pelo conhecimento – uma busca que não é empreendida a partir de mitos nem é realizada com o objetivo simplesmente de convencer. O conhecimento almejado pela filosofia é o conhecimento que o ser humano pode alcançar por meio de seus próprios esforços racionais.
O conhecimento verdadeiro atingido pela razão humana é o objetivo da filosofia desde a Grécia antiga; contudo, os problemas filosóficos sofreram inúmeras e enormes modificações desde então, os métodos disponíveis hoje são muito mais poderosos do que eram no tempo de Sócrates, e as respostas são bem mais complexas do que aquelas dadas na Antiguidade. Ainda assim, a filosofia segue, durante a história, um fio condutor contínuo. Não seria possível compreender o que é a filosofia hoje e o que os filósofos de hoje fazem sem entender o que os primeiros filósofos faziam na origem da filosofia.
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Clique no link para baixar o texto Do mito aos sofistas em PDF.
Como disse Sócrates:”Só sei que nada sei!”
Muuito bom, ajudou em duas questões do meu trabalho!
Claro e conciso. Ajudou muito no trabalho da faculdade. Filosofia do Direito.
Parabéns! E muito obrigada.
nossa muito bom o texto, muito bem explicado e de fácil entendimento 😀
[…] 3. A origem da filosofia: https://oficinadefilosofia.wordpress.com/2007/08/28/a-filosofia-nas-suas-origens-do-mito-aos-sofistas… […]
Texto muito bem ridigido e tras informações básicas sobre a filosofia e seus fundamentos. Gostaria de saber qual o autor do texto para refernciar as suas informações.
Obrigado desde já
Ronald da Silva
Sinop (MT)
Olá Ronald. Obviamente, eu sou o autor do texto. Um abraço.
Obrigado! Esse texto me ajudou muito com o meu trbalho de filosofia.Obviamente esse foi o melhor qjá liiii
nossa .. muitoo boom .. quanto mais aprendo sobre filosofia mais me apaixono pelo mesmoo ♥
s
adorei, fácil entendimento, obrigadaaaaa!
Gostei muito do texto, muito bem escrito e muito bem explicado. Vai me ajudar muito no trabalho que estou desenvolvendo.
Mas uma coisa que eu nao consegui entender direito, A busca pela verdade, surgiu com os pré-socraticos ou com os sofistas?
desculpa no texto assima quis dizer com socrates, nao com os sofistas.
Camila Gomes, a tradição da história da filosofia diz que a busca pela verdade a partir de um ponto de vista naturalista, e não mais mitológico, surgiu com os pré-socráticos. Um abraço!
muito bom esse texto graças a ele tirei uma ótima nota em filosifia
mim desculpa mas esse texto não mim ajudou em nada. vc poderia ser mais claro.
Bom! do ponto de vista lógico , e humano, é muito dificil filosofar.pois muitos chegam a dizer : este homem fala mito bem. entretanto deve-se saber o que na verdade o que ele(a) eatá querendo dizer, uma vez mais que nem sempre quando se está falando mostra o que está dizendo. ora!pergunta o leitor , mais onde você quer chegar ? vejamos ha pessoas que falam gesticulando , outras com lohos fechados,e ainda exisrte aquelas que por incrivel que pareça, falam (descupem a termo da palavra: cuspindo .então como dissera nem sempre um bom orador é um ótimo préleitor
Muitoo show,gostei demais…
Me ajudou nas questões de Filosofia da Faculdade,Ufaa valeu
Que texto ótimo!
Só fiquei triste porque não é um curso de filosofia completo. rss
Imagino que seria sensacional voce falando do pensamento e dos filósofos Clássicos e da Filosofia Medieval.
Está de parabéns mesmo.
Valeu!
~[aaaaa]~ caramba pereitooo vsê me slvoo grandão….seu yexto me ajudoou muitoo….com meu trabalho de filosofiia…agora eu já seii como vou fazer na hora de apresentaa
gostaria só de saber o autor deste texto.para eles me ajudar nas minhas falhas.gostei deste texto.Parabens
Oi Kady, eu sou o autor do texto. Um abraço.
fala sério,foi você mesmo.Eunão sou Brasileira,sou estrangeira da Afríca.Gostaria só que você me ajudasse por favor,me dá o seu email para a gente ficar em contato.Gosto muito da filosofia,só que eu tenho muito dificuldade.Um abraço
Ótimo texto, muito claro e direto… Além de ter me ajudado em meu trabalho de filosofia, esclareceu toda a pouca matéria que estudei até aqui rsrsrs Obrigada!
Gostei muito deste texto pois auxilia muito na Introdução de Etica e Cidadania – Obrigada.
Obrigada. Este texto muito me auxiliou na introdução do estudo da etica e da cidadania.
Isso aí…OBRIGADO! me ajudou muito!
Parabéns pelo texto!!!
ótimo texto…me ajudouuu muitoooo…
OBRIGADOOOo
A retórica, é certo,não nasceu em Atenas,mas na Sicília,onde os siracusanos Corax e Tísias fun-
daram escolas de retórica e escreveram os primeiros tratados dessa arte;eles ensinavam os
meios de persuadir,de apresentar as ideias da maneira mais favorável e de distinguir as diferen-
tes partes do discurso.
Mas foi em Atenas que se desenvolveu a sofística,que vivificaria a arte oratória.Dava-se o nome
de sofistas a indivíduos que ensinavam,por dinheiro,a ciência (sofia),isto é,toda espécie de conhe-
cimentos úteis ao homem,especialmente a arte de triunfar pela palavra,que compreendia a dialé-
tica e a retórica propriamente dita.Como os sofistas não se preocupavam nem com a veracidade
dos fatos nem com a justiça da causa,mas apenas com o sucesso,sua influência foi das mais ne-
fastas.Nem por isso deixaram de exercer papel essencial no desenvolvimento da arte oratória.
O primeiro sofista foi Protágoras de Abdera,o mesmo ensinou em Atenas com extraordinário
êxito.Abraços!
obrigada me ajudou em meu trabalho.valeu